CBD | Departamento de Informação e Cultura



Antes do coronavírus, a educação básica já sofria com desigualdade social

Presidente da Câmara de Educação Básica, professor Ivan Siqueira comenta os desafios para o sistema educacional durante a pandemia

Comunidade

Perguntas, ansiedade e angústia. Essas são as palavras que resumem a situação da educação básica brasileira neste momento. Além da profunda desigualdade do sistema educacional, que agrava ainda mais o cenário. Em período de incerteza, diversos órgãos da sociedade civil têm enfrentado desafios para se adequar à nova realidade. Um deles é a Câmara de Educação Básica (CEB), pertencente ao Conselho Nacional da Educação, presidida pelo professor Ivan Claudio Pereira Siqueira, do Departamento de Informação e Cultura (CBD).

Entre suas principais funções, cabe à CEB normatizar a legislação educacional brasileira e oferecer interpretação sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Assim, a Câmara é uma forte base de apoio para as Secretarias Municipais de Educação, que buscam esclarecimentos sobre os dias letivos e a carga horária escolar. 

Na Medida Provisória 934/2020, publicada em 1º de abril, o governo definiu que não seria necessário cumprir os 200 dias letivos obrigatórios. No entanto, manteve a carga de 800 horas anuais. "Cabe à CEB regulamentar essa questão e especificar como essas 800 horas de atividades escolares podem ser cumpridas no contexto vigente", explica o professor. 

 

Aulas online são uma opção viável?

Adotadas como solução em muitas instituições de ensino, as aulas por meio de plataformas virtuais ainda causam estranhamento, principalmente nas primeiras etapas da escolarização. Siqueira explica: "Na educação infantil, predomina o entendimento de que as dimensões do lúdico e do afeto é que são as vigas mestras para o desenvolvimento posterior. Nos anos iniciais do ensino fundamental, é essencial que haja boa sedimentação dos processos de leitura e escrita. Para essas etapas, a sociedade brasileira tende a rejeitar qualquer modalidade de 'ensino' ou 'escolarização online' ". 

Além disso, há poucas previsões legais sobre o tema, principalmente no ensino fundamental. As principais dúvidas referem-se ao que fazer, como fazer, com quais materiais e com quais metodologias. Segundo pesquisa do TIC Domicílios 2018, 33% dos lares brasileiros não têm acesso à internet

 

Foto de mãos segurando um celular. Os dedos estão em posição para digitar. Parte dos braços da pessoa que segura o celular também aparece, eles estão cobertos por uma blusa vermelha.  A pessoa também segura um caderno, apoiado no antebraço.
Acesso à internet é menor entre as classes D e E e chega quase a 100% na classe A. Foto: Marcello Casal Jr.

 

Em cenários nos quais as aulas online não são possíveis, o professor comenta que podem ser utilizados outros recursos, como rádio, televisão e livros didáticos, "considerando-se as disparidades existentes no país e a impossibilidade de regramento único."

"Parece certo que o mundo digital pode nos facilitar o acesso e o desenvolvimento de competências e habilidades educacionais, mas os desafios das colossais desigualdades do Brasil colocam barreiras adicionais às pedagógicas", conclui.

 

Não é só uma questão de aula

Apesar de ter como função principal a educação e formação de crianças e adolescentes, as escolas também desempenham papéis importantes na dinâmica familiar. Por vezes, a merenda escolar é a principal – senão a única –​ fonte de nutrição dos estudantes. As escolas são também um local seguro nos quais os pais podem deixar os filhos enquanto trabalham. 

O afastamento da escola tem impactos psicológicos, potencializados pelo cenário pandêmico de incertezas e medo. "Sofrem estudantes com saudades de amigos e de um ano letivo que mal começou, sofrem sobretudo as mães com infindáveis jornadas e atividades, sofrem os avós, distantes dos netos", comenta o professor do CBD. 

 

Uma oportunidade de repensar a educação brasileira

Com tantas adversidades, é possível também enxergar uma janela de oportunidade. Oportunidade de avaliar e transformar o sistema educacional brasileiro, duramente afetado pela desigualdade social e pela desvalorização das ciências e das artes. Afinal, "modelos educacionais correspondem a projetos de nação", conclui Siqueira. 


Imagem de capa: Reprodução/Unsplash