CBD | Departamento de Informação e Cultura



Mapeamento de pesquisas sobre coronavírus investiga o avanço do acesso aberto ao conhecimento científico

Professor do CBD participa de pesquisa que compara dados sobre produção científica e abertura de acesso durante a pandemia de covid-19 e as epidemias de SARS e MERS

Vida acadêmica

A pandemia de covid-19 tem levado pesquisadores de diversas áreas do conhecimento a trabalhar noite e dia. A dimensão global dos efeitos diretos e indiretos do coronavírus exige respostas rápidas e colocou a produção e a divulgação científica no centro das atenções. Em um mundo onde as fake news se espalham tanto quanto o vírus, diversos órgãos públicos e privados têm disponibilizado informação de qualidade gratuitamente como parte do esforço coletivo de combate à doença. 

Com o objetivo de entender o papel de epidemias e pandemias como a atual no aumento do acesso aberto a publicações científicas, um grupo de pesquisadores está mapeando os estudos sobre o coronavírus que vem sendo realizados em todo o mundo. Intitulado Coronavirus mapping in scientific publications: when science advances rapidly and collectively, is access to this knowledge open to society? (Mapeamento do coronavírus em publicações científicas: quando a ciência avança rápida e coletivamente, o acesso a esse conhecimento é aberto à sociedade?, em tradução livre), o trabalho conta com a participação do professor Rogério Mugnaini, do Departamento de Informação e Cultura (CBD), além de pesquisadores espanhóis.

Os primeiros resultados do estudo fazem parte de um artigo em inglês que acaba de ser submetido. “Esse esforço inicial foi empreendido para poder ocupar posição numa verdadeira corrida diante deste cenário, que tem atraído o olhar de muitos pesquisadores. Nas áreas de estudos quantitativos da ciência (bibliometria, cientometria, altmetria) muitos dados estão sendo gerados, disponibilizados e publicados. Certamente teremos outros resultados para publicar, no âmbito e cronograma do projeto maior”, conta Mugnaini. 

O docente faz parte de um projeto de pesquisa contemplado em 2019 num edital da Unión Iberoamericana de Universidades. Envolvendo pesquisadores da Espanha, Argentina, México e Brasil, o trabalho investiga as transformações digitais e o acesso aberto à inovação nos campos científico e cultural dos países ibero-americanos. Com a pandemia, os pesquisadores viram a possibilidade de criar uma frente de trabalho específica para a covid-19: “vimos que nosso projeto tinha como se voltar imediatamente para a questão, e tentar contribuir, no sentido de avaliar o papel dos diversos países, considerando sua pesquisa científica para enfrentamento do problema. E obviamente, a questão da abertura do acesso, que está totalmente no escopo do projeto, se tornou nosso foco principal.”

 

O desafio de quantificar a ciência enquanto ela é produzida

Mugnaini explica que o trabalho consiste em um estudo cientométrico, ou seja, baseado na “análise quantitativa dos artigos publicados.” Foram consideradas as características dos artigos, dos periódicos em que foram publicados, referências bibliográficas, informações sobre financiamento, instituição e país de origem dos autores, e, por fim, se o acesso ao artigo era aberto (e de que tipo). “Nós fizemos uma comparação entre dois períodos: as últimas duas décadas (2001-2020) e os últimos dois anos (2019 e 2020). Optamos por uma busca que abrangesse as crises anteriores (SARS e MERS), o que nos permitiu observar o quanto os países já vinha se debruçando nas epidemias.” As siglas citadas pelo professor referem-se às epidemias de SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave, na sigla em inglês) e MERS (Síndrome Respiratória do Oriente Médio, na sigla em inglês), ocorridas respectivamente em 2002-2003 e 2013. 

O estudo analisou artigos publicados até 23 de março de 2020, e a coleta de informações apresentou desafios muito familiares aos pesquisadores da Ciência da Informação, sobretudo agora, quando a pandemia faz a produção científica ser acompanhada praticamente em tempo real. Segundo o docente, diferentes fontes e bases de dados apresentavam resultados distintos, fazendo com que o número de artigos encontrados sobre o coronavírus variasse. O contato com outros profissionais envolvidos na busca de informação sobre a covid-19, por meio de webinars e mensagens, foi fundamental para sanar as dúvidas surgidas nesta etapa da investigação. “Esse tipo de detalhe observado em busca de informação é normalmente ignorado, mas pelo fato de ser assunto de algumas disciplinas que ministro na graduação, acabo sendo insistente. Buscas de informação são essenciais para que um novo artigo possas se beneficiar do conhecimento produzido até aquele momento. No meu caso, pude vivenciar mais um dos benefícios das ações que têm surgido nesse momento difícil,” comenta. 

Gráfico de barras com as informações de diversos países, como EUA, China, Reino Unido e Brasil. EUA, China e Reino Unido ocupam, respectivamente, o primeiro, segundo e terceiro lugares tanto na produção de artigos científicos quanto na sua disponibilização via acesso aberto, considerando os números absolutos.
Gráfico mostra a evolução da produção de artigos científicos nos dois períodos considerados pela pesquisa. Imagem: Rogério Mugnaini. 

Os dados obtidos mostram que no período recente houve um aumento na produção de artigos científicos, com destaque para países emergentes como China e Índia, além da Arábia Saudita, Coréia do Sul e Egito. Confirma-se também a tendência de aumento do acesso aberto. “Quando se compara o percentual de artigos em Acesso Aberto (AA) do período recente, em relação às duas décadas, destacam-se Coréia do Sul e Alemanha, com um aumento de mais de 30%, seguidos de Estados Unidos, Singapura e Suécia. A China é a única a apresentar o caminho inverso, baixando seu percentual de AA de 61,9% nas duas décadas, para 44,4% no período recente”, afirma Mugnaini. Já o Brasil “publicou 63,5% de seus artigos em AA nas duas décadas e chegou aos 80% nos últimos dois anos.”

O docente salienta que o tipo de acesso aberto que tem predominado neste ano é o de caráter temporário: “o tipo de acesso aberto que emerge nesse ano de 2020 é o Bronze, cuja abertura se dá pelo simples fato do editor [do periódico] liberar (exatamente o que estamos observando nas diversas ofertas de conteúdo e artigos sobre covid-19), mas sem a garantia de continuar aberto. Já o acesso tipo Gold é o mais frequente quando consideramos também 2019, sendo este o modelo ideal, que garante acesso permanente ao artigo.” O acesso aberto de caráter permanente, no entanto, não é necessariamente gratuito, já que na maioria dos casos se exige o pagamento da Taxa de Processamento do Artigo, conhecida pela sigla em inglês APC (Article Processing Charge). 

Gráfico com categorias "Não AA", "Bronze", "Gold" e "Green". A categoria "Não AA" lidera no período 2001 a 2020, enquanto a categoria "Gold" lidera em 2019-2020 e a categoria "Bronze" lidera em 2020.
Gráfico mostra a distribuição dos tipos de acesso conforme o período de publicação dos artigos científicos. Imagem: Rogério Mugnaini. 

Como se vê, garantir a disponibilização gratuita de conteúdos científicos ainda é um desafio, apesar da tendência de aumento do acesso aberto. Embora a pesquisa tenha focado a produção sobre covid-19, Mugnaini afirma que as condições de acesso aberto nas duas últimas décadas são similares para as demais áreas do conhecimento. De acordo com o professor e os pesquisadores Björk e Solomon, essa realidade se deve principalmente aos fatores de avaliação da produção científica, que privilegiam publicações pagas. “Infelizmente os processos avaliativos que valorizam indicadores com o Fator de Impacto acabam estimulando este maior percentual de publicações em periódicos que cobram assinatura.”

 

Conheça o Grupo de Pesquisa em Métricas da Ciência e Tecnologia (CiMetrias) 

Coordenado por Mugnaini e por José Fernando Modesto da Silva, também professor do CBD, o Grupo de Pesquisa em Métricas da Ciência e Tecnologia (CiMetrias) estuda a produção acadêmica da comunidade científica brasileira, expandindo o olhar para além da análise do crescimento e impacto de sua produção científica. Considerando inúmeras fontes de informação, com multiplicidade temática, regional e terminológica, as investigações do grupo abordam outros aspectos da vida acadêmica, que incluem a orientação de novos pesquisadores, a composição de bancas, o financiamento de pesquisas e a organização de eventos. 

Os trabalhos desenvolvidos consideram ainda o papel essencial da tecnologia em relação ao acesso e interoperabilidade do conhecimento científico, analisando metadados, linguagens de marcação e identificadores, além da gestão, arquivamento, compartilhamento e mineração de dados. O CiMetrias se dedica ainda a analisar os efeitos da abertura da ciência, que envolve todas as etapas da pesquisa. 

Para saber mais, acesse a página do CiMetrias no diretório do CNPq sobre os grupos de pesquisa do Brasil. 

 


Imagem de capa: Ignacio Vidal /La Casa Encendida