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Inteligência artificial, deepfake e agências de checagem na arena da desinformação

Pós-doutoranda pesquisa o uso da tecnologia na produção e disseminação de fake news e os limites das agências de checagem 
 

Comunidade

As fake news são um fenômeno digital que tem origem, antes de tudo, na mentira pura e simples. Aqui no Brasil, por exemplo, o Plano Cohen, documento forjado pelos militares para justificar a tomada de poder por Getúlio Vargas em 1937, pode ser considerado uma fake news de enorme repercussão e eficácia. Atualmente, você acredita que uma situação desse tipo ainda poderia acontecer? Grande parte dos brasileiros acha que sim.

Em pesquisa divulgada no mês passado pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (IPEC), 85% dos brasileiros reconheceram que as fake news podem influenciar as eleições desse ano. É um dado preocupante para a manutenção do Estado Democrático de Direito, ainda mais quando 44% da população diz receber esse tipo de desinformação diariamente. As fake news se espalham, segundo dados do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), 70% mais rápido que notícias verdadeiras

Por isso, é crucial que a sociedade compreenda a natureza das fake news, desde seu surgimento até sua dispersão pelas diversas redes, assim como o papel das agências de checagem, que procuram desmascará-las. A pesquisadora Magaly Parreira do Prado está desenvolvendo um trabalho de pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) sobre isso.  

 

Deepfake e o uso das tecnologias
 
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Nos deepfakes de áudio, a inteligência artificial identifica e separa sílabas e outros sons de uma determinada voz, para depois utilizá-los na produção de um áudio forjado. Imagem: Reprodução/ Seon. 

Em sua pesquisa, que deve ser concluída em breve, Magaly chama a atenção para mudanças tecnológicas que provocaram uma revolução recente na produção de desinformação. Um dos efeitos mais importantes dessa transformação é o deepfake, junção das palavras deep learning (aprendizagem profunda, em inglês) e fake (que significa falso). Trata-se de uma técnica que junta sons ou imagens de modo a produzir, por meio da inteligência artificial, uma mídia falsa

Magaly afirma que “antes, na deepfake, qualquer um que olhasse um pouco mais atentamente percebia que a palavra não batia com o movimento da boca. Era possível notar que era fake”. Mas a tecnologia chegou a tal ponto que, hoje em dia, essas montagens já quase não conseguem se diferenciar de um vídeo ou áudio real. Em seu artigo Deepfake de áudio: manipulação simula voz real para retratar alguém dizendo algo que não disse, a pesquisadora se debruça mais detalhadamente sobre esse tipo de conteúdo falso.  

Um outro aspecto considerado relevante por Magaly são os bots (de robots, robôs em inglês) - que, basicamente, são programas pensados para executar ações repetitivas. Nesse contexto, eles se destinam a espalhar fake news pelas redes sociais. A ação desses dispositivos contribui para a maior rapidez com que se espalham as notícias falsas, já que seu uso não é aleatório, mas advém de ordens de pessoas, grupos ou organizações que se beneficiam das possíveis consequências, principalmente políticas, de uma fake news bem sucedida.

No entanto, a pesquisadora nota que os bots já foram utilizados de maneira ainda mais indiscriminada. Nas redes de trocas de mensagens, por exemplo, não havia nenhum tipo de aviso que indicasse que um texto ou mídia fora encaminhado várias vezes, algo que já está presente nesses aplicativos. Ainda assim, Magaly acredita que é preciso uma regulação legal mais firme em relação às fake news.

Em 2020, o Senado propôs o projeto de lei Nº 2630, que ficou conhecido como Lei das Fake News. Se ainda há uma lacuna, ela parece estar sendo preenchida, mesmo que a passos morosos. Mas Magaly faz uma ressalva:

 

Para diminuir essa quantidade de perfis falsos é muito difícil, porque você precisa saber o que é mentira e o que não é. Então quem vai dizer se isso é uma mentira? A sociedade deveria discutir mais.

 

Magaly Parreira do Prado, pesquisadora 
 
 
Foto de uma sala da Câmara dos Deputados. Em primeiro plano, alguns homens e mulheres estão sentados em uma mesa de madeira retangular, com um microfone e um notebook à frente de cada um deles. Ao fundo, outros congressistas estão em mesas iguais, também elas com microfones e computadores.
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) traz a Câmara e o Senado para debaterem a questão das fake news. Imagem: Reprodução/Flickr - Agência Senado.

 

Papel das agências de checagem 
 

Desde que as fake news começaram a se proliferar ao redor do mundo, a sua antítese, na forma das agências de checagem, também ganharam mais espaço. Essas entidades, que podem ser independentes ou ligadas aos veículos mais tradicionais de comunicação, têm por objetivo fazer uma espécie de vistoria das notícias que, por alguma razão, aparentam ser duvidosas. E, com seu trabalho, contribuem de maneira decisiva para uma sociedade bem informada, tanto que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) renovou sua parceria com as agências no começo de 2022

Magaly, contudo, por meio de sua pesquisa, chegou à conclusão de que as agências de checagem não são suficientes para a manutenção da democracia e do acesso à informação confiável. De acordo com a pesquisadora, a tecnologia atual não possibilita que as agências sejam as únicas a desempenharem essa função. “As agências de checagem não tem como acompanhar na mesma velocidade (das fake news). Além disso, elas não estão nos mesmos lugares onde os bots mandam as coisas”, diz a pós-doutoranda. 

Outra questão é a abrangência da disseminação do material das agências. Magaly argumenta que, por mais que a intenção dessas associações seja boa e até cumprida em alguma medida, muitas vezes elas pecam no alcance. Assim, aquele indivíduo que utiliza apenas o WhatsApp como canal de comunicação e está em uma rede de pessoas com uma matriz de pensamento muito parecida com a sua dificilmente receberá a checagem feita, após um árduo trabalho de apuração, pelas agências. 

 

A verdade do fake
 

Na opinião de Magaly, o termo fake news não é adequado, já que não se trata de notícia alguma, tendo em vista que a notícia, por definição, não contém inverdades. O que pode acontecer são erros, tal qual acontece em todas as profissões. O ofício do jornalista pressupõe a busca, ética mas imparável, da verdade. Não existe nenhum profissional respeitado que forja mentiras: se alguém faz isso, não se trata de um jornalista, mas de um faker, acredita Magaly. 

Dessa forma, fake news, notícia ou informação falsa são termos que não se encaixam na realidade do jornalismo. É por esse motivo que Magaly não gosta de usar a expressão fake news. Ela prefere a nomenclatura “mensagem falsa”. Muita gente acredita que os jornalistas são os responsáveis pela criação e pela propagação de fake news, quando, na verdade, eles são os que protegem a sociedade delas. Quando se usa “mensagem falsa” como expressão alternativa, o preconceito em cima desses profissionais pode ser amenizado. 

De toda essa onda de desinformação na qual vivemos, Magaly crê que algo de bom pode ser retirado. Afinal, as pessoas já estão mais vacinadas contra esse mal do século XXI. Mesmo com o avanço tecnológico, hoje é mais fácil perceber quando uma news é fake. E a tecnologia que cria inteligências artificiais responsáveis por espalhar a mentira aos quatro cantos do mundo é a mesma que faz com que o blockchain possa ser usado como uma proteção contra a alteração de notícias reais. 

 

Assim como toda tecnologia, pode ser usada para o bem e para o mal. O problema não é a inteligência artificial ou o algoritmo. O que é importante é saber quem está por trás, qual é o interesse dessa pessoa e quem ela quer atacar.

 

Magaly Parreira do Prado 

 


Imagem de capa: Pixabay